Esta carta é para ti, mãe.
Não para a minha mãe, não para a minha mãe do agora.
Também a minha mãe já foi esta mãe, a quem dedico esta escrita.

E deixem que vos diga… não sinto saudade de quem a minha mãe e eu nos permitimos ser uma com a outra.
Quando a minha mãe foi essa mãe, nós fomos estranhas.
Sem que eu seja ilibada de culpa, mas esta carta é para as mães.

Muitas filhes vossos me sussurram ao ouvido, com medo de ti mãe.

Da tua reacção verbal, das tuas lágrimas, do teu olhar vazio, do mingar do teu corpo e alma. Iles não me sussurram cenários felizes.
Porque o medo turva, deturpa e destrói.

Eles, elas e iles procuram o desabafar cansado. Têm pressa de gritar o que lhes sufoca o coração, o que os faz ser quem tu não educaste.
Eu sei, mãe, que tu não ensinas a mentira.

Sei que o desabafo traz o medo ao colo, porque o reconheço. Também eu o embalei nos braços. Mutuamente nos protegíamos.
Muitas oportunidades acanhadas se apresentaram diante dos meus olhos. A vontade súbita de dizer a verdade, a espera certa de que a pergunta desarmada vai sair da tua boca e fulminar o elefante que ocupa a sala toda. A casa toda. A vida toda.
Mas essa pergunta nunca chegou. Talvez essa pergunta nunca chegue.

Os vossos filhos e filhas estão sentados num altar flutuante, perdidos e a ver passar vida.
Em cima de um altar vosso, dentro de um armário deles e convosco de baixo de olho.

Mãe é aquela que de boca cheia diz ao mundo:

— Tu saíste de mim, conheço-te como a palma da minha mão.

Quando olhas para a tua mão, mãe… o que vês afinal? 

Eu digo-te.
Vês linhas de silêncio, vês o que recusas aceitar, vês o amor à expectativa e recusas fazer o luto de uma ideia que é só tua. O teu filho existe fora do teu sonho de criança. A tua filha existe fora da palma da tua mão e fora de ti também.
Estão os dois então à espera que um ceda, esperam pelo momento ideal. A frincha que anuncia menos estrago, menos morrer de vida:

— Medo de quê?
— Que nada volte a ser igual, ao que é.
— Será melhor.
— Tens a certeza?
— Tenho.

Mãe, eu não sei o que é amar como tu.
O que é sentir esse amor que só quem pare, cria ou educa sabe. Mas sei o que o medo faz aos laços que o cordão umbilical, imaginário ou real, nutriu.
Quando o medo de encarar a verdade ganha, nasce silêncio desconfortável. Esse silêncio é o fim. É o sentar lado a lado ou frente a frente, com tanto por dizer e escolher o nada. Confortável e mortífero.
Assim se perdem laços e relações, quando se desaprende a falar. Ganha a paz podre.
Tudo é sabido, tudo é não é dito.

É assim que perdes os teus filhes, é assim que se perdem mães.
É assim que se deixa morrer e se morre em vida.

Nada será igual, será melhor.

Mãe, desde que soubeste da existência de outro ser em ti, juraste amar. Amar é defender do visível e invisível, do medo também. Não deixes que o medo leve o que é teu, não deixes que o teu filho se esconda de ti. Abraça-o, abraça-a com falta de coragem. Abraçai-vos com os vossos medos. Deixa, mãe, que os teus filhos te mostrem outro mundo. Colorido, livre e feliz.
Ver os filhos felizes não é a maior paz que uma mãe sente? Então, porque arrumas o esconderijo do teu filho? Se o assunto fosse qualquer outro, farias o mesmo?

Se já o sabes, porque ignoras?

Viver no faz de conta é empurrar os problemas com a barriga, é varrer para debaixo do tapete, é arrumar um cobertor húmido no armário.
E se as comparações com o asseio do teu lar ajudarem… O teu filhe não está asseado.
Ajuda, ensina.
Vê a verdade, fala da verdade, abraça a verdade. Chuta o pau que segura os telhados de vidro. Ignora os outros, os outros em ti e vê! Com olhos de ver, quem deste ao mundo. Deixa que os teus filhes me sussurrem os arco-íris. 

Nada será igual, será melhor.
Serás melhor.
Ela será só ela.
Ele será só feliz.
Ile será livre.
E vocês… voltam a casa.

É medo bobo.
Se esta carta te chegou, sabe que é só medo bobo.
(Como canta o Rubel).

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