— O que queres ser quando fores grande?

Em miúda quis ser tratadora de golfinhos, bióloga marinha e jornalista. Quis ser tudo. Em adolescente também.

Em adulta, ainda nada mudou.

Quero ser tudo!

Vejo-me vingar em muitas profissões, a viver em muitas cidades e a fazer vida com muitas pessoas. Vejo-me a viver mais vidas nesta vida. A ser várias pessoas neste corpo, porque só uma de mim é insuficiente.

Gosto de pensar que vivo todas as fantasias e cenários em que me imaginei, vi e vejo. Sem que desgoste da realidade onde existo. Esta, onde escrevo e tu me lês.

Gosto de pensar que existem universos paralelos, criados por todas as decisões que não tomei.

Num universo paralelo, eu caso com o meu primeiro namorado, trazemos filhos ao mundo, dançamos na cozinha sempre que o último prato é lavado, mergulhamos abraçados e encontramo-nos na íris um do outro antes de adormecermos. Morremos velhinhos, ao mesmo tempo e junto ao mar. Mas, neste universo do agora, as nossas almas não se entendem e escolhemos seguir caminhos que nos separam.

Noutro universo paralelo, viajo pelo mundo e apaixono-me pela gente que vou encontrando, pela liberdade e pelo desapego. Vivo em Nova-Iorque, em Amesterdão, Bali e Costa Rica.

Mas, neste agora, eu pertenço ao apego e à casa onde nasci.

Ainda noutro universo, eu uso o cabelo comprido até ao umbigo e lentes de contacto esverdeadas. Sou atriz de cinema, tenho um piercing no nariz e tatuagens étnicas no braço esquerdo. Mas, neste agora, não tenho coragem para esses compromissos e voos.

Existo ainda em tantos outros universos: sou dona de casa, vivo na montanha, sou escritora a tempo inteiro, trabalho para alguém, não tenho filhos, tenho três filhas e dois cães, faço surf e yoga, danço salsa, canto, sou DJ e toco violino. Sei muito sobre a história do mundo, a política, a economia, a música clássica e sobre o cinema a preto e branco.

Sou feliz em todos eles!

Mas aponto um favorito.

Um que escolheria para este agora, se me fosse possível: o que guarda o meu pai. O universo paralelo onde ele não morre.

Continuamos vivos e juntos. Ainda sou a parte que não me morreu e ele é igual a si mesmo. Ele ainda é meu. Nesse universo, que coexiste enquanto escrevo, não o procuro porque andamos a viajar pelo mundo! Ele lê os meus livros e textos (este também, e fica a saber que morreu no meu universo presente). Almoçamos sempre ao sábado, leva-me ao altar, telefona-me e rodopia os netos pelo ar. Discutimos, rimos com a nossa estupidez e vemo-nos crescer.

Não há o vazio, a saudade ou a dor.

Esse universo nasceu quando decidi emigrar. A Michelle que não emigrou vive nesse universo, onde a morte não chegou. Não naquele dia ou daquele jeito.

Todos os outros universos paralelos nasceram também das escolhas que não tomei.

No dia em que escolhi Nova Iorque e não Amesterdão, houve uma Michelle que ficou em Portugal, outra que escolheu Nova Iorque e outra que emigrou para Amesterdão. Que vive sozinha perto de um canal. Que não tem carro mas que tem bicicleta, que não escreve mas que toca piano, que é hospedeira de bordo e que nunca bebeu na vida.

Chamem-me louca, há quem o chame nos universos que creio existirem. Pensar assim conforta-me, por não haver fim.

Nunca há fim. Em cada encruzilhada, percorro os dois caminhos. Outros eus nascem. E um dia todas nos encontramos. Quando fechar a porta do presente, culminaremos no fim da linha, sorridentes e cheias de vida. Reconhecerei todas as mulheres que fui, quando nasceram e que vida viveram. E só aí seremos apenas uma.

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