Sete meses.
Centenas de dias até a coragem a sentar num banco metálico, coberto de heras verdes.
Espera por ela.
E nela há todo um discurso de amor.
Ela, que um dia acordou a sufocar em palavras proibidas. Em sentimentos proibidos. Em vontades que desconhecia. Com detalhe se vestiu. Decidida e confusa, encostou-se à parede de tijolo vermelho onde combinaram encontrar-se. Esperou.
Uma hora ela esperou e ela não apareceu.
Ela esqueceu-se.
Ela nunca esqueceria, não dela.
Encolheu os ombros, revoltou-se em silêncio e refugiou-se nos copos, meio cheios ou meio vazios, de álcool branco.

Ela não sabe o que é. Se homossexual, bissexual, heterossexual. Não sabe, nem tem pressa em saber. Sabe que gosta dela, como gosta dos homens. Sabe que gosta dela mesmo que não saiba o que é estar com uma mulher.
Sabe que gosta dela.
Que o sorriso dela lhe aquece a alma. E que o que ela é, e não o que ela tem, a faz querer perto. Que o interior dela a fascina, a cega e a faz esquecer que ela é também uma mulher.
Tudo isto é-lhe bastante para nada mais querer saber.
Embriagada foi para casa.
A outra desculpou-se, sem se comprometer.
A outra não sabe o que por ela é sentido.

Sete dias e sete meses depois. No banco de metal coberto de heras verdes. Um almoço.
Ela apareceu.
As mãos dela suam debaixo da mesa. A bexiga dá falsos avisos, a barriga dói, o coração esconde-se no fundo das costas. A boca iça a bandeira da coragem. Vai vomitar-lhe tudo o que sente. Vai dizer-lhe que gosta dela sem coloridos, vergonhas ou entendimentos. Vai dizer-lhe que ela a faz falar do tempo. Que não suporta vê-la doente, stressada, triste ou perdida. Que gosta de a ver feliz. Do seu sorriso e olhar encriptado. Que gosta dela sem esperar nada em troca, a nu. Que não procura consentimentos ou respostas. Que quer apenas declarar-se, escoar a água que ameaça afogá-la.
Ela engoliu um noodle comprido, molhou os lábios no chá frio e disse:

– Ontem, uma aluna declarou-se a mim. Genuinamente, como nunca antes ouvi ou imaginei ouvir.

A declaração de ontem, de outro alguém que não esperou sete meses e sete dias, foi a cópia do discurso que ela ensaiou, durante sete meses e sete dias. Se tivesse demorado sete meses e seis dias, talvez teria feito a diferença. Mas demorou um dia a mais. Demorou tempo demais.
Ouviu-a até ao fim.
Perdeu o sabor da comida. Perdeu a vontade de comer. Bebeu, só para manter o corpo adormentado acordado. Quis chorar. Quis-se levantar e sair. Disfarçou estar bem. Estar feliz por ela, porque ela parecia feliz. E afinal ela gosta de a ver feliz, não é?
Abraçaram-se e despediram-se.
Embriagada, voltou para casa em passos demorados e tristes. As lágrimas fogem-lhe pelas pestanas. Só entrou em casa quando fez as pazes consigo. Não podia ficar contra ela, chateada com ela mesma, quando só se tem a ela. Ir contra ela é apagar a luz que lhe dá alento, é remar contra a maré.
Esperou tempo demais.
Talvez lhe diga num outro dia. Talvez desista desta quimera. Talvez aprenda a não esperar.

Não houve outro final, o feliz. Mas ela ficou bem.
Confortável num universo energicamente sentimental, sem rótulos. Onde pode ser o que quiser e bem lhe apetecer.
Numa bolha só de amor.
Amor que não julga ou culpa.
Que não usa saias, calças, travessões ou gravatas. Um amor sem cara.
Amor pelo que vem de dentro. Amor que não dói.
E assim ela dormiu.

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