Pousei o telemóvel e ganhei tempo. A vida correu devagar.
Hey!
O querer saber dos outros desapareceu, o querer que saibam de mim também. Vesti o manto da invisibilidade, só existi para mim.
O comboio abrandou, o tempo parou e a roda… Essa continuou sem mim. Como esperado e sem sentir saudade. Reaprendi só a estar. A dar e a receber aquilo que de mais precioso temos, sem que nunca nos pertença: o tempo.

Esperei pelo bando, o brilhar da ria ofuscou-me e o do mar também. Corri e dancei fora da batida, revi conhecidos de outras vidas, não fiz conversa de circunstância e não fiquei onde não queria muito estar. Viajei no tempo. Senti-me apertada nas multidões. Senti-me só. Perdi o telemóvel dentro de casa, perdi-me no calendário, nos dias do mês e nos da semana. Encontrei a minha sombra e a minha traquinice. Permiti-me sentir e chorei, muito. Sozinha e acompanhada. Percebi quem abraça a minha pior versão e quem só me quer feliz.

Amei a perda como amei o início. E como és os demónios, que o álcool desperta… deixei de beber, bebo água em copos de balão, com gelo e limão. Fica mais fácil resistir, quando se finta o psicológico.

Esperei pelo pôr-do-sol com os pés descalços. Dei uma segunda vida às raquetes que eram do meu pai. Prolonguei os abraços, atentei nos foguetes e no meu Hazel, que tanto medo tem deles.
Ele e eu passámos o tempo juntos. Correu solto, passeou-me, dei-lhe toda a minha atenção, brincadeira, mimo e vi-o sorrir. Acho que os cães sorriem, quando sentem amor.
Escutei os meus pensamentos, calei a voz que me apressava. Que enumerava as tarefas, que me dizia o que fazer depois, sem me deixar terminar o que estou a fazer. Agora a voz que me comanda é só a minha. Fazia tempo que não a ouvia. Decidi os nomes dos meus filhos, se algum dia eles nascerem e ouvi música nova. Obcequei com os artistas que descobri, ouvi-os em repeat.
Gosto que as músicas tenham memórias boas, das que dão saudade. Vi a Anastacia e cantei alto. Tão alto que acordou o meu pai no céu. “Ela tem um vozeirão”, ouço-o.

Gosto que o quente do sol tenha o teu toque. O dourado dos teus fios é o meu favorito.

Quanto tempo se tem de viver infeliz? Quanto tempo se tem de fingir feliz? São as memórias, as boas memórias que dificultam. A esperança também. Tenho medo de me sentir assim para sempre. Faço puzzles, percebo onde as peças não encaixam. E nunca vão encaixar.

Deito-me no colchão da adolescência e bebo das estrelas. Recomeço, desfeita. Perdi números e trabalho. Fui jantar fora, olhei para o menu… Costumava pedir este prato, porque era o mais barato. Vivia-se com tão pouco e tão bem. Dá vontade de voltar, de voltar a outras dormências. Voltar às raízes, ressentir as memórias da infância, as que me fizeram gente.
Conduzi descalça, com o decalque do pedal tatuado na planta do pé. Deixei de ver só o bom, vi o real. Contradisse-me, disse que não e que sim. Porque disse mais nãos que sins.
Dizem que sentem a minha falta, perguntam se estou bem. Nem eu sei…
Também sinto falta e medo, de voltar a ter saudade de como me sinto agora.
Viciei, e não adormeci, a ver uma série. E uma frase ficou “Winners win alone” – uma verdade solitária.
Andei de mota, deixei o capacete dançar, cantei alto, sorri para quem faz trânsito, apitei a quem não vê as motas. Nadei depois do sol se pôr, mergulhei com o pôr do sol, submergi com ele. Ir ao mar depois das 20h, é diferente de ir em qualquer outra hora. Só sabe quem o faz.

A Alice voltou-me. Escrevi, sem esforço. A dor escapou-me pelos poros dos dedos, deixei-a no teclado. Escrever é a minha saída de emergência. Quando me dou aos outros, esqueço-me das palavras. Como se só a tristeza regasse a minha escrita. É essa a verdade, rendo-me.
Volto em paz. Volto diferente.
Volto de mão dada comigo.
Hey… ainda estás aí?

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7 Comments

  1. “Quanto tempo se tem de viver infeliz? Quanto tempo se tem de fingir feliz? São as memórias, as boas memórias dificultam. A esperança também. “

    porra 💘