Se as histórias são a vida vivida de trás para a frente, isto é uma carta de amor. Escrita por alguém que sente em duas línguas. (Quando se traduz palavras, perde-se o sentido dos sentimentos).
Esta carta começa pelo meio, continua no fim e termina no olá. 

Um divórcio é a morte.
Da pessoa que se ama. Da vida que se sonhou, da vida que se quis e da vida que passou. Morre a dupla, cai a casa que acolheu o amor e se preparava para ver nascer o futuro. Caiu. Ficou o vazio, o medo da solidão eterna, o pó e o abandono.

I can’t believe we lost each other. We used to be so fucking happy. We almost had it all.

Há sempre alguém que aviso da lua cheia, a brilhantemente amarela, que me apanha de surpresa. Que espreita por entre os prédios e me faz cessar o passo. Tu foste esse alguém, todas as super luas que vi, na mão cheia de anos que partilhámos.

Como gostava que este não tivesse sido o nosso fim, sabes?
Algures no infeliz, começou a maratona de fazer coisas pela última vez.
Cozinhámos lado a lado, nessa maratona, e pareceu que nada havia mudado.
Que quase não acabou. 

É suposto nunca mais nos vermos ou falarmos? Sermos desconhecidas, como se não soubesses o meu corpo de cor. Como se nunca te tivesse visto a alma.
Sabemos que esse dia vai chegar.
Sabemos também que tu e eu, só tu ou só eu, vamos encontrar outras pessoas. Ou não. Talvez seja este o crescer que traça um novo caminho que nos volta a unir. Numa manhã de nevoeiro, cabisbaixas e crescidas, encontramo-nos naquela estrada de terra batida. Aquela… sei que a tua memória falha, mas sabes de qual falo.

Até lá, encontra-me nas tuas memórias. Na estátua com os soldados em Union Square, ou no cadeirão de veludo verde, ou na casa do bilhar, na escada de incêndio ou no outro lado da tua lente fotográfica. Algures, pela cidade que não me deixa dormir.
Nova Iorque és tu. Serás sempre tu. Será sempre nós.
Um filme que não se esquece e que se quer ver pela primeira vez. Muitas vezes.
Vejo-nos em todos os lugares que, por momentos, foram nossos. E foram felizes.
Fomos tão felizes, porra!

As couves de Bruxelas cheiram a ti. A maçaroca de milho, o poke de atum e o plátano frito também.
O meu polegar sente falta do porto seguro, onde se refugiava quando os nossos dedos se entrelaçavam.
O meu olhar procura-te, encontra-te do lado de dentro do meu coração.
Encontro-te também quando viajo ao passado: 14 de Setembro, Whole Foods, esquina 95E Houston e Bowery. Onde um novo capítulo da minha vida começou a ser escrito. E agora que o li e sei, acho que sei, como termina, voltava aquela esquina amanhã.
Abraçaste-me, abraçamos o futuro.
Somedays, like today, I wish I had seen it all.

Fomos aquilo que os outros querem, aquilo que se lê nos grande romances e se vê nos clássicos de cinema.
Fomos aquilo que sempre quis. Foi verdadeiro e foi-se. O meu amor ficou.
Como quem espera um comboio que não volta, um avião que caiu. O que faço ao tanto que sinto?

Foste a primeira pessoa a dizer que me amava, a olhar-me na alma, a selar a palavra com um beijo. Só outro alguém me disse antes, disse-o só quando me perdeu. Numa tentativa de ressuscitar a minha alma morta. Mas o coração ninguém cura com culpa, com um penso ou remendo. 

Mas gosto que as músicas tenham memória e que o quente do sol tenha o teu toque.
São as memórias… são as boas memórias que dificultam.

És a chama que o isqueiro acende, eu nem fumava.
És os demónios que o álcool desperta, deixei de beber.
Não és o Natal, porque nunca o quiseste de verdade, ou talvez o tenhas querido, nunca tanto quanto eu. E por isso, sou eu quem arruma a árvore embalada e os ornamentos revestidos em papel. Para que os sinos não toquem sem eu querer.

A tua mente nublada… desde sempre e para sempre. Esse, o único para sempre.
(Morreu o nome que gostava de deixar como herança. Quase o mesmo, varia uma consoante. Avaria-me o bom senso).

Volta para onde os lares são só casas, onde os sonhos são adotados. Onde o amor é uma ciência e todas as medidas qb são bastantes. Mas isto são outras dormências.

Não te olho nos olhos, porque olhar-te nos olhos é ver tudo o que não chegámos a ser.
É ver o que quase fomos. É ver o que perdemos.

Aceitar que nos perdemos e que te amo. E que te vou amar, para sempre acho…
Perceber que deixar quando se ama, quando ainda se ama tanto, é um golpe fatal. Uma cicatriz eterna. Um vazio infeliz.
Tantos se separaram este ano e, ao vê-los, pensei que a nossa separação chegasse quando morresse.
Quanto tempo se tem de viver infeliz?
Tenho medo de me sentir assim para sempre.

Representas tudo o que não quero e mesmo assim é o único amor que alguma vez soube.
Amo a perda como o início. Com intensidade. Com desejo, com vontade de quer mais. Muito mais. Querer o que não tivemos. E quase que tivemos tudo. Quase tive tudo.

Volto então às raízes, às memórias da infância, às memórias que me fizeram gente.
Conduzo descalça, sinto o decalque do pedal na planta do pé.
Deito no colchão da adolescência e bebo das estrelas. Recomeço, desfeita.
Apaixono-me por uma música, ouço-a em repeat.
Faço puzzles, percebo onde as peças nunca vão encaixar.
Vou jantar fora, olho para o menu e sorrio. Costumava pedir este prato, porque era o mais barato. Vivia-se com tão pouco e tão bem.
Ah… a saudade. A saudade dá vontade de voltar

Tenho também saudade de sentir amor, não sinto saudade de sentir um amor em específico. Tenho saudade de me sentir viva, da vida que o amor me traz. Do dissipar da escuridão. Talvez não sejamos talhados para se amar como te amei. Como te amo. Sei que deixei em ti, propositadamente, marcas e memórias insubstituíveis para que para sempre tenhas saudades minhas. Também o fizeste, daí o meu medo.

Mas deixemos de ver só o bom, para ver o real.

Quando optamos por não mudar obrigamos também o outro a ser quem não é.
Qualquer objetivo a longo prazo, envolve que se trabalhe agora. Uma dieta, uma preparação para entrevista, comprar um carro… 

É da minha natureza emocional lutar até ao fim, ser a última a deixar de acreditar, de lutar e a deixar o campo de batalha. A ser bom ou mau, a deixar mazelas e um doer prolongado, é como sou. Enquanto sentir amor, há esperança. A meu ver. Custa-me tomar decisões emocionais que sejam decisivas, mesmo que as escolhas feitas já não me sirvam. Que me deixem infeliz, me façam perder tempo, me façam ficar e sentir sozinha.
Fraqueza é camuflar o que dói e usar cinismo mascarado de positividade.
Um falhanço é não lutar, vencer é lutar e atirar a toalha ao chão quando nada mais há a fazer. 

O cozinhar junto, o dormir colado, o enroscar no sofá, o cantar ao mesmo tempo é importante. Importa para conhecer, fundir. Mas o resto, tudo o resto é futuro, e importa construir junto, colado, enroscado e ao mesmo tempo.

As partes mais difíceis da vida, parecem durar mais tempo do que as boas. Isso faz-me esquecer que sou ainda jovem, serei jovem até aos cem. Se lá chegar… gostava que sim.
Agora sou ausência. Fujo para todo o lado e fujo para lado nenhum.
Quem sabe um dia fujo para ti.
Quem sabe.
Quem sabe as mesmas almas se encontram na estátua dos soldados.
Quem sabe estas almas encontrem outras almas.
Quem sabe… nem eu, nem tu. Ninguém.

Um rasto de aprendizagem é deixado pela dor.
Aprendi que a decepção anda de mão dada com o amor. As pessoas que amamos vão, inevitavelmente, desapontar-nos. Vão desapontar-se a elas mesmas. Também eu as vou desapontar e a mim também. Mas o amor maior traz o perdão no bico. É o que luta, é o que não vê além das falhas mas as aceita. Vive com elas. Prefere a imperfeição, o feio e o difícil à ausência.

O amor incondicional é a raíz das histórias com final feliz, seja ele qual for, a falta de amor é o fim das histórias.
Se um casamento não é um papel assinado, um divórcio também não é.
Se um casamento começa muito antes da caneta beijar o papel, o mesmo acaba muito antes da caneta terminar a assinatura.

Tento normalizar o fim, abraçar e defender o fim como o início.
Defender o fim de um ciclo, é dar-lhe o respeito que os bons momentos merecem.

I don’t like to feel this way. I believe this is the way back to the light, but I don’t want to heal.

Olá,

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