Se alguém um dia, de olhos postos no céu, desejou ou imaginou Nova Iorque sem turistas, 2020 é o ano que escutou.
Há sete meses que um vírus, de nome COVID-19, amedronta grandes e pequenas cidades. Amedronta o mundo. E mesmo que eu lide com ele desde a viragem do ano, é em Nova Iorque que a minha alma estremece.
Nova Iorque, a cidade que nunca dorme, que nunca é silêncio, calmaria ou espaços vazios é agora um filme mudo a preto e branco. Contam-se as pessoas que batem pé nas avenidas e ruas travessas, contam-se as buzinas que ecoam, os carros que circulam e até os pássaros. Ouvem-se os pássaros e os esquilos em Nova Iorque.
Não se ouvem gritos, gargalhadas, conversas de telefone, correrias atrasadas ou grupos. Não se cheiram os cachorros quentes, os bagels ou a pizza. Só as ambulâncias rasgam o silêncio, porque ficou o mundo em casa. Ninguém cá entra e quem de cá é foge, ou tenta fugir, para sentir alguma liberdade num outro estado menos ferido que este. (Pergunto-me com grande pesar, para onde foram os que faziam da rua casa. Não só os daqui, mas os do mundo. Para onde foram ?)

A grande bola ruidosa que corria freneticamente pelas ruas de Nova Iorque desapareceu. Bem como os flashes, as multidões e as filas para visitar sítios icónicos. O metro circula vazio, os táxis imploram por uma mão suspensa à beira da estrada, os cocktails servem-se na rua e a comida exige um telefone que a encomende previamente. E os pombos, que estranham este novo mundo, procuram as escassas migalhas que sobrevivem nos passeios.
Em Times Square e na Broadway escuta-se e encara-se a realidade pandémica de frente. Eu não sou gente de grandes cidades e por isso o pouco barulho nunca me incomodou, mas ver este gigante luminoso e ruidoso abandonado deixa-me desconfortável.
Como se tivesse acordado num pós fim do mundo.
O Mickey Mouse e a trupe dos super heróis, que entretêm os turistas na praça mais famosa do mundo, fugiram. Não há panfletos publicitários no chão, não há a rapariga que representa as Rockettes, não há vendedores ambulantes, rapazes que dão piruetas pelo ar ou homens estátua.

Há nada.

Há medo.

Há histórias de terror, há alguém que perdeu alguém, alguém que viu centenas de corpos amontoados, alguém que perdeu o emprego, o negócio ou a vida.
Também eu ando a medo. Como se o ar que na rua respiro me fosse sufocar a qualquer momento. Como se o vírus morasse em todo o lado, ao mesmo tempo e nos perseguisse um a um até tombarmos ou sobrevivermos.

Escrevo este texto enquanto caminho, mascarada e sozinha, pelo Central Park.
Na relva, em frente ao hospital Mount Sinai, ainda se vê as marcas das tendas hospitalares improvisadas que ali se montaram. Para aliviar as unidades hospitalares e as morgues.
Não se vê as carruagens, os cavalos e quase todas as fontes estão secas. Alguém canta ópera junto à fonte Angel of the Waters. Canta sem microfone, canta no silêncio citadino.
Vejo o que nunca antes vi, só gente de cá, todos os que não são turistas, todos os que sobreviveram. E mesmo com medo, apetece-me abraçar um deles. Morreram no estado de Nova Iorque 24,800 pessoas por COVID-19. E mesmo que muito pouca vida tenha já sido permitida não há pressa para se voltar ao antigamente. Apetece-me abraçar um deles, talvez pela saudade de sentir um abraço desconhecido ou pela necessidade de sentir solidariedade humana  num abraço improvisado a alguém que vive no mesmo mundo e incerteza que eu. De relembrar que não estamos sós, que o mundo todo vive neste limbo, assustador mas ainda esperançoso. E eu, que não pertenço mais aqui do que a qualquer outro lugar, sigo a observar e a escrever sobre os tempos que ficarão para a história da humanidade.

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  1. I loved reading your June blog. It was disturbing but true. In my darkest thoughts, I could not have imagined such a scenario. I love New York in all it’s forms so it made me deeply sad to see it empty, deserted as if we all gave up on it. But as the weeks have passed and I keep returning for my weekly visits, I have noticed a gradual but certain awakening and returning to “normal”. It gives me hope that sooner or later it will be back to its full glory. Thank you for sharing your perspective. I look forward to each of your posts.