Há sempre uma, ou várias, músicas que quando soam sem aviso prévio me fazem recuar no tempo. Levito nas melodias nostálgicas e relembro memórias, que pintam o meu percurso.

De pés no tablier, com a janela aberta e de olhos postos lá fora, avivo como até aqui cheguei.

Escrever ou publicar um livro nunca foi um sonho de miúda. Um desejo que partilhasse ou guardasse a sete chaves. Escrever é a minha casa, a minha liberdade, cúpula de vidro e porto seguro. O meu tempo comigo.

Era, e ainda é, um truque para sentir Portugal perto. Por isso escrevo em português, e muito pouco na língua comum aos homens.

Escrevi um livro, um livro com estórias de amores dependentes, doentios, porém honestos, de amor próprio e de amor ao outro. Uma história que trata o amor em várias formas e extensões.

Não escrevi para ninguém, sobre ninguém. Aqueles personagens não existem, ou talvez tivessem existido apenas em mim. Um dia, talvez. Não escrevi para enriquecer, para ser presença televisiva ou para ser comparada a tantos outros e outras que escrevem. Escrevi, porque quis abrir a porta da minha casa (de papel), a quem quisesse entrar.

Quando em mãos peguei a minha obra pela primeira vez, secou-me a garganta e inundaram-se os olhos. Lancei-o ao mundo lusitano e a minha casa ficou repleta. Nunca completa, porque há sempre espaço para quem quiser entrar.

Vi o meu livro nas mãos de um guarda prisional, juizes, professoras, condutoras de autocarros, amigos do peito e amigas que não via faz tanto tempo. Vi o meu livro em estantes, mesinhas de cabeceira, sobre camas e cadeirões, toalhas de praia, assentos de carro e em janelas de avião. Vi o meu Mel na Polinésia francesa, na praia da Barra, nas Maldivas, em África, na América do Norte, central e do Sul. Vi o meu mel lido através da lupa da minha avó e dos óculos grandes do meu avô. Vi a minha mãe chorar quando o leu, vi as minhas irmãs a devorarem cada página a tempo record, vi a minha família a promover a minha obra em todo o lado e vi centenas de leitores em vinte apresentações. Três delas em inglês, em três estados diferentes dos Estados Unidos. Juntei toda a minha família, amigos, ex colegas de trabalho, ex chefes, chefes atuais, desconhecidos e conhecidos de vidas passadas.

Vi também os filhos dos meus com o Mel nas mãos. Vi o meu livro em vitrines de livrarias, vi-me reconhecida na rua e vi-me feliz.

Foi a escrita que me salvou a vida.

Foi o Mel que me deu vontade de amar a vida, quando sentia, profundamente, que a vida não tinha qualquer direção. Que somos todos peões do acaso e da sorte.

Na rádio toca a música que me faz levantar a cabeça e olhar em redor, com um sorriso no rosto. Bem, que o meu Mel seja a tua música, a pausa na rotina, o que vos faz prender as páginas com os dedos, acenar e sorrir.

Quase um ano depois, a correr Portugal de lés a lés, a conta própria, a levar o Mel para a minha América, há uma certeza: era incapaz de ter feito melhor.

Obrigada!

Post gallery by Daniel Ribau

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2 Comments

  1. A Sana Editora está feliz e orgulhosa do seu percurso… tão bom viajar consigo e vê-la voar pelo mundo… pelo mundo dos leitores!
    O melhor está para vir!

  2. Li o de hoje… e depois li mais um e depois devorei outros tantos que estavam pendentes! Ainda não tenho o Mel mas sigo por aqui, em breve vem para mim, mas vou lendo e inspirando-me para ler bem, com bem, de quem escreve bem.