Há muito tempo, talvez não há tanto tempo assim, eu escondia o meu sorriso com a mão côncava. Porque ainda há mais tempo, que o há muito tempo, alguém achou pertinente comparar o meu sorriso ao do burro do Shrek. Porque tenho as gengivas descidas e os dentes longos. Foi uma piada, com muita falta de chá, que durou segundos. Em mim, nasceu um preconceito que durou anos. E ainda duraria, se não fosse ele. Um dia ele reparou no meu tique envergonhado, segurou-me a mão e disse:
– A tua mão é demasiado pequena para esconder um sorriso tão gigante e bonito.
Eu corei e lentamente perdi o hábito. Aliás… perdi vários hábitos.
Deixei de me importar não só com a opinião dos outros, mas com maquilhagens, roupas apertadas e sapatos altos. No conteúdo que produzia, e ainda hoje produzo, pouco me importava se era Sábado à noite e eu sem rímel, se era Segunda de manhã e eu de fato-de-treino e rabo-de-cavalo, ou se era Domingo e eu de vestido de gala e com pestanas falsas.
Deixei de seguir visuais que achava padrões estandardizados para fotografias e vídeos. Deixei de ter medo de falar à gafanhoa e abracei os provérbios populares, o meu sotaque à Aveirense e os meus termos e expressões corriqueiras.
Decidi ser eu, mostrar-me como sou, o que faço e o que me move, com conteúdo e verdade. (Porque igual a mim, mais ninguém. E igual a ti, também não.) E, sem dar conta acho que me tornei blogger, influencer ou, como gosto de me apelidar, pessoa que faz o que gosta e é paga para isso:
– Ai…não me digas que agora também és influencer.
– Ai… não me digas que agora também és blogger.
Se recolhesse um euro pela quantidade de vezes que, muito sarcasticamente, me fazem esta pergunta, estaria a escrever este texto sentada numa cadeira de bambu com vista para o mar azul das Maldivas.
Repara, esta é uma nova profissão, fazemos descontos, pagamos impostos e trabalhamos. Sem isenção de horário e, muitas/muitos de nós, a recibos verdes. É uma nova profissão para novos tempos. Foi fácil explicar ao vosso avô o que é a fibra ótica? As operações a lazer? A instalação de painéis solares? O tirar o leite às vacas com maquinaria? Então… porque é que é motivo de piada existirem bloggers ou pessoas com influência?
Desculpa… ser “pessoa influente” já não é de agora. Já se consome influenciadores há anos, através de publicidade e a pagar muitas centenas de notas. O Cristiano desde que tirou o aparelho dos dentes que vende cortes de cabelo, chuteiras, shampoos que previnem a oleosidade, relógios e serviços bancários. A Julia Roberts, além de vender filmes, vende também meias, cremes faciais e perfumes. E tantos outros exemplos…
Não lhes queres perguntar se eles agora também são influencers? Eles podem porque são famosos? Então, vamos lá ver qual é o problema… É sermos da mesma terra? É por nos veres na rua, na pastelaria ou a experimentar sapatos? É porque ganhamos dinheiro na mesma terra que tu, com as mesmas ferramentas que tens, mas sem um horário das 9h00 às 17h00? É por tudo isto que não podemos ser?
Claro que depois da pergunta sarcástica, com aquele riso gozão tipo burro do Shrek, segue o comentário invejoso:
– É, eu queria era ter uma vida como a tua!
Ai queres?!
Então mexe-te! Tens as mesmíssimas ferramentas que eu! E quando descobrires o quão difícil é podes vir pedir conselhos, eu ajudo.
Os benefícios são tantos como as dores de cabeça. Dores de cabeça como ter que explicar, a empresas de alto gabarito e posses, que colaborações não pagam contas. Não pagamos as contas do gás com peças de roupa que nos enviam, não pagamos a prestação do carro com cereais integrais e não pagamos a conta da peixaria com um par de sapatilhas. (Era bom que deixasse de haver moeda e vivêssemos num mundo antigo, da troca por troca). E isto é frustrante de explicar. Não somos todos amigos ou primos! Eu só colaboro com amigos, ou proponho uma colaboração, quando há conteúdo bom e mensagens com valores maiores a serem transmitidas. E não me acho a última bolacha do pacote, não tenho manias de estrela ou estou armada em esperta ou difícil… O que nós fazemos é trabalho! Demora tempo, pede criatividade e originalidade para se ser diferente num aquário cheio de pessoas como eu. Pede também seletividade, para que a nossa imagem não esteja em todas as esquinas e marcas. Seletividade tem um preço!
Repito, o que fazemos vale dinheiro!
Por exemplo, uma marca que, por simpatia, envia um artigo de graça não tem que esperar, ou exigir, qualquer tipo de publicidade. Publicidade paga-se, e muito caro! Por isso recorrem a nós, os tais bloggers e influenciadores. A escolha em mostrares um artigo que recebeste como presente, é tua! E não tens que te sentir mal se não o fizeres. No Natal, por ventura, fazes publicações e identificas todas as prendas que recebes? Pois… Com marcas também não é diferente. A plataforma é tua, os seguidores são teus, o trabalho é teu. Valoriza-te! Fazeres colaborações, parcerias ou publicidades a custo zero é tua escolha e não um comportamento garantido! E se não te identificares com a marca, produto ou conceito não aceites. Eu não gosto do cor-de-rosa e não vou andar de cor-de-rosa porque me pagam. Eu não como carne, não vou comer carne porque me pagam. E tu, não o faças também. Quanto mais verdade tiver o conteúdo que produzes mais longevidade a tua vida profissional como influencer terá.
Mesmo assim, eu sei que ainda queres uma vida como a minha…
E ainda bem, eu amo a minha vida. É giro não ter horários fixos. Estar-se em todo o lado quando fechamos contratos, estar sempre bem-disposta, combater o cansaço, viajar por cinco cidades em sete dias, promover marcas, escrever, fotografar, entrevistar, maquilhar, fazer malas e ainda estar com a família, namorado e com o pouco tempo que sobra para nós. Não ter horário de trabalho significa trabalhar sempre que o trabalho aparece. Seja domingo, sejam onze da noite ou feriado. Porque o ordenado ao final do mês está intimamente ligado aos trabalhos que surgem e se aceitam. É uma incógnita, mas também um desafio. Faz-me querer fazer melhor, fazer diferente e investir.
Sim, quando se pensa no futuro, dá medo… Ainda não se sabe se esta profissão é para a vida toda. Mas e a tua, é?

foto de capa por Dribbble

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1 Comment

  1. Criticar os outros é sempre muito fácil.
    Quando o fazem é porque sonhavam ter a tua coragem e quando falam mal, só estam a falar deles mesmos. Viver o dia a dia sem saber como vai ser no fim do mês não é para todos.
    Continua a arriscar, a viveres com verdade e fazeres o que faz sentido para ti.
    Força ai!