Já algumas vezes, não tantas como agora, me perdi no labirinto criativo. Não por falta de ideias ou tão pouco por ideias que sobrem. Mas porque a prudência me assombrou.

Sem precisar quando, a cautela pelo que o outro pensa, reage e como se manifesta, ganhou poder sobre a minha criatividade, livre arbítrio e racionalidade. Desatando-me da vergonha, assumo que me diminuí como artista e mulher por opiniões e escolhas alheias. Deixei-me sentir inferior e acreditei que, de facto, era menos do que qualquer outro comparsa artista. Todos os outros, bem melhores que eu. Todos eles.
Por isso, devia atentar nos meus pensamentos e filtrar a minha linguagem para alcançar o patamar dos outros.

(Pensava eu que os tempos de reanimar o ego e cuidar da autoestima já haviam passado. Somos plantas que precisam da água, do sol e do amor. A vida toda).

Este comportamento atípico fez-me refém dos números. Por números entenda-se tudo aquilo que é representado por número: os gostos, as mensagens, as partilhas, as subscrições, os comentários e os seguidores. Todos os seguidores: os novos, os que perdem interesse, os que ficam, os que ouvem, veem, leem até ao fim e os que matam a curiosidade sem, quase, deixar rasto.

Refém de um número que descia, porque nem os números me reconheciam.
Refém de mim.

A cada clique onde tornava público o que criava, dava por mim a procurar aprovação de quem nunca vi. Dei até por mim a discutir com o meu inconsciente, porque com tanto tempo para pensar nasceram teias no foco e ofuscou-se a luz.

Temo que seja verdade que muitos dos que catalogam os criadores em números, seja qual arte for, os julguem também bonecos SIMS. Recorrendo a nós quando querem que o tempo voe mais depressa. Nós, cujo sentido da vida é o dever de fazer rir, de distrair, de responder com arte atenta e carinhosa. De ajudar sempre que eles queiram e precisem. Ah, não nos esqueçamos de ser agradável nas partilhas. Agradar sempre! Nunca maçar ou relembrar assuntos tristes sem chorar. Se houver choro nosso há interesse, se o choro for dos outros…
Já chega de coisas tristes, dizem eles.
Já chega do racismo, da fome, do ambiente, do Yemen, LGBTQ+ e de tudo o que não me deixe confortável. Dizem eles.
Já chega, ou desço o teu número. Dizem eles.
Já chega, digo eu!

Paro, penso e volto atrás.

Não me rejo por números e como tal não me moldo, crio, ganho forma ou vida, desisto ou ganho em números. O que importa para a minha existência e felicidade virtual, é o desapego ao que não é letra.

Comparison kills creativity, Jennie Moraitis

É injusto comparar o nosso trajeto ao de alguém que já chegou ao cume. É triste querer dar de beber aos outros de um poço vazio, porque não é o nosso.
Enquanto pensava nos possíveis recetores, pintei o remetente de todas as cores menos as minhas. Inibi a minha criatividade. Ignorei-me, a mim. A mesma que me fez subir a tantos outros cumes.

E se os outros não existissem, seria quem?

Então serei eu.

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4 Comments

  1. Como sempre a escrita linda e pura.
    Obrigada por sempre partilhares uma vontade de ser melhor e ajudar quem tem falta de inspiraçao.
    Beijo

  2. Nunca te esqueças que as pessoas te seguem por aquilo que tu és e transmites. Se deixas de ser tu, aí sim, deixa de fazer sentido seguir-te.
    Calculo que seja mais preocupante para quem vive das redes sociais e por isso, os números começam a ter demasiada importância, mas nunca percas o foco.
    You Rock Girl!

    Eu sigo-te, vejo os teus stories, leio o teu blog e já li o teu livro e adoro! Por isso, mantém-te fiel a ti mesma!

    Um grande beijinho,
    Rita

  3. Gosto sempre muito de passar por aqui, gosto muito mais disto do que das redes sociais, mas já não vinha aqui faz tanto tempo…

    Gosto sempre mas pela primeira vez identifiquei-me! Números e pressão de números, ter que agradar os outros sem me agradar a mim primeiro.

    Obrigada pelas palavras e não deixes de escrever nunca!

  4. Daniela Lima

    Não faço ideia do que é estar no lugar de alguém que seja influencer, ou alguém que de certa forma “dependa” dos likes, comentários e partilhas. Sigo o trabalho de muitos artistas assim como tu e compreendo o vosso ponto de vista (digo vosso porque conheço mais pessoas que se sentem relacionadas ao teu texto).
    Tens uma escrita muito boa e inspiradora e existe algo em ti que para além de inspirar, motiva e alegra-me. Adoro sorrir, adoro rir à gargalhada e especialmente adoro sentir o que leio. E é o que sinto quando vejo o que postas no instagram, TikTok e aqui no teu cantinho que acredito que seja o teu espaço onde te sentes confortável para sentir tudo. Por isso sejam poucos os números ou muito espero que todos eles sintam vontade de sorrir e de sentir, porque se não for assim mais vale nem ter número algum.
    Beijinhos, era só isto.